A partir de agora, além das análises químicas e físicas, produtores rurais e consultores agrícolas também contarão com uma nova aliada para avaliar a saúde dos solos. Pesquisadores da Embrapa desenvolveram uma tecnologia que permitirá revelar aspectos relacionados ao funcionamento biológico do solo que, até então, passavam despercebidos nas análises de fertilidade, mas que podem impactar o desempenho econômico das lavouras e a sustentabilidade dos agroecossistemas.
Lançamento da BioAS – Tecnologia Embrapa de Análise Biológica de Solos
Local: https://youtu.be/1GnmMXrDlb8
Data: 23 de julho
Horário: 15h
Chamada de BioAS, a tecnologia é a peça que faltava para melhor compreensão do potencial produtivo desse recurso natural. A afirmação é de Ieda Mendes, pesquisadora da Embrapa Cerrados (DF) que lidera o projeto Bioindicadores. “A biologia é a base da saúde do solo. Até então, não tínhamos ideia de como estava o funcionamento da maquinaria biológica dos nossos solos. A BioAS muda isso”, declara.
A tecnologia consiste na análise de duas enzimas (beta-glicosidase e arilsulfatase) que estão relacionadas ao potencial produtivo e à sustentabilidade do uso do solo. Elas estão associadas, respectivamente, aos ciclos do carbono e do enxofre e funcionam como bioindicadores da saúde do solo. Quantidades elevadas desses bioindicadores indicam sistemas de produção ou práticas de manejo do solo adequadas e sustentáveis. Por outro lado, valores baixos servem de alerta para o agricultor reavaliar o sistema de produção e adotar boas práticas de manejo.
Capaz de antecipar mudanças no solo
Uma das principais vantagens da tecnologia, segundo os especialistas, é justamente antecipar mudanças, positivas ou negativas, que estejam ocorrendo na matéria orgânica do solo em função do manejo adotado na propriedade. Isso ocorre, de acordo com a cientista, porque os bioindicadores são mais sensíveis que os indicadores químicos e físicos. Além disso, as alterações nas comunidades microbianas podem ser detectadas com mais rapidez. “A tecnologia BioAS é como se fosse um exame de sangue do solo que nos permite antecipar problemas de saúde que até então eram assintomáticos”, declara Ieda Mendes.
Além de serem sensíveis para detecção de mudanças no solo, essas enzimas estão relacionadas ao funcionamento do solo (ciclagem de nutrientes), são interpretáveis (teores baixo, médio e alto), apresentam coerência e reprodutibilidade e possuem simplicidade analítica com custo relativamente baixo e sem gerar resíduos. Do ponto de vista do agricultor, estão relacionadas ao rendimento de grãos, daí a importância econômica. Essas enzimas também são relacionadas à matéria orgânica do solo, o que denota importância ambiental.
Durante os últimos vinte anos, pesquisadores da Embrapa se dedicaram à seleção desses bioindicadores. Durante esse trabalho, foram desenvolvidas diferentes tabelas de interpretação que permitem saber exatamente se o nível de atividade dessas moléculas, em diferentes tipos de solo, está baixo, médio ou adequado. Esse foi o grande diferencial do projeto Bioindicadores.
Laboratórios habilitados
A tecnologia BioAS está disponível para o agricultor brasileiro por meio de uma rede de laboratórios habilitados pela Embrapa. Laboratórios de todo o Brasil poderão se integrar, progressivamente, à Rede Embrapa BioAS. Eles estarão conectados aos servidores da Embrapa por meio de um sistema denominado Módulo de Interpretação da Qualidade do Solo da Tecnologia BioAS, que envolve inclusive o cálculo de Índices de Qualidade de Solo (IQS).
De acordo com o pesquisador Guilherme Chaer, da Embrapa Agrobiologia (RJ), um dos responsáveis pelo desenvolvimento desse módulo, os IQS são calculados com base nas propriedades químicas e biológicas em conjunto (IQSFertbio ) e separadamente (IQSBiológico e IQSQuímico). "Trata-se de uma forma simples e eficiente de quantificar a qualidade ou saúde de um solo. Além disso, estamos disponibilizando escores para avaliar o funcionamento do solo com relação à ciclagem, armazenamento e suprimento de nutrientes”, explica.
Os parâmetros de referência e tabelas de indicadores envolvidos na tecnologia BioAS são atualizados sistematicamente, com base na rede de experimentos da Embrapa de calibração e desenvolvimento dessa tecnologia. Com isso, os clientes dos laboratórios sempre terão laudos contendo resultados com interpretação atualizada pela Embrapa, safra a safra.
Até o momento, nove laboratórios comerciais de cinco estados do Brasil (Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, São Paulo e Paraná) foram capacitados pela Embrapa para incluirem em suas rotinas as análises das duas enzimas do solo que são parte da tecnologia BioAS. “Essa tecnologia é a ferramenta que faltava pra fechar o ciclo de diagnóstico”, afirma Renato Alves Filho, responsável técnico e diretor nacional do Laboratório Solos & Plantas, de Sorriso (MT).
Segundo ele, com a capacitação recebida pela Embrapa, foi possível reproduzir no laboratório da empresa o método com valores precisos. “A partir de agora, conseguiremos avaliar a eficiência dos manejos adotados nas propriedades e, com os resultados de fertilidade e textura, gerar o Índice de Qualidade do Solo Fertbio. Isso se traduz em mais informação, mais assertividade das ações e, por consequência, melhores resultados”, enfatiza.
A biologia do solo
Um grama de solo possui cerca de um bilhão de bactérias e 100 mil fungos. Esses valores dão uma ideia da imensa diversidade genética e metabólica das comunidades microbianas do solo e, consequentemente, dos variados processos em que elas atuam. Com a fauna e as raízes das plantas, os microrganismos constituem a maquinaria biológica do solo. Sendo a parte viva e mais ativa da matéria orgânica, podem ser utilizados como bioindicadores de saúde do solo.
Solos saudáveis são biologicamente ativos, produtivos e resilientes, que promovem a saúde das plantas, pessoas e animais e que preservam a qualidade ambiental, proporcionando, entre outros benefícios, o sequestro de carbono, o armazenamento e infiltração de água, a ciclagem de nutrientes, a biorremediação de pesticidas e a mitigação da emissão de gases de efeito estufa.
De acordo com o pesquisador Fábio Bueno, para desenvolver essa tecnologia, a estratégia foi facilitar tanto para o agricultor quanto para os laboratórios que vão fazer a BioAS. “A coleta de solo para a bioanálise é feita da mesma forma que se faz para as análises tradicionais. A época de coleta é a mesma (após a colheita das culturas) e quase todos os procedimentos são idênticos. A única coisa que irá mudar é que, para a BioAS, o solo tem que ser coletado na camada de zero a dez centímetros. No laboratório esse solo vai passar pelos mesmos procedimentos de secagem ao ar utilizados para fazer as análises químicas”, explica. “A amostragem do solo para a BioAS é extremamente simples e prática”, enfatiza o coordenador de pesquisa da SLC Agrícola, Vitor Vargas.
O produtor rural José Mário Ferreira, de Padre Bernardo (GO), acredita que a tecnologia BioAS vai auxiliar no processo de tomada de decisão na propriedade. “Precisamos de informações para ajudar no planejamento. Tínhamos uma lacuna que nos impedia de avaliar a capacidade produtiva do solo nessa visão mais integrada. A análise ligada à biologia do solo veio para auxiliar nesse sentido”, acredita.
Segundo Ieda Mendes, os agricultores já estavam percebendo que, muitas vezes, o resultado da análise tradicional não condizia com a produtividade obtida. “Tínhamos solos com propriedades químicas semelhantes, dentro do mesmo contexto climático e de cultivo, mas com níveis de produtividade muito distintos. Com a bioanálise, conseguimos mostrar por que isso está acontecendo.”
É o caso do agrônomo João Batista de Almeida, consultor da fazenda Ribeirão (Itiquira, MT). Segundo ele, a produtividade da fazenda não estava sendo explicada somente pelas análises químicas. “Nós tínhamos áreas com teores muito baixos de nutrientes e com bons tetos produtivos. Isso não era explicado quimicamente. Com essa nova tecnologia da Embrapa, hoje podemos fazer avaliação tanto química, quanto física e biológica dos nossos solos. Esse é um parâmetro muito importante para podermos tomar decisão com relação ao manejo e, assim, conseguirmos produtividades mais altas e redução do custo de produção,” prevê.
Arte: Fabiano Bastos
Solos quimicamente semelhantes, porém biologicamente distintos
No experimento de rotação de culturas na soja (RCS), conduzido desde 2008 pela Fundação Mato Grosso, em Itiquira (MT), os pesquisadores compararam o rendimento de grãos de uma mesma cultivar de soja em monocultivo, rotação e sucessão de culturas com várias espécies vegetais, com destaque para a braquiária. Durante os seis anos iniciais do experimento não houve diferença significativa no rendimento de grãos. No sétimo ano do experimento (2014/2015), ocorreu um veranico no estágio reprodutivo da soja, e a sucessão soja/braquiária produziu 29 sacas por hectare (sc/ha) a mais que a soja em monocultivo.
“Quando analisamos o que justificaria essa diferença verificamos que somente com os resultados da análise química do solo não era possível explicar, pois as áreas eram semelhantes. Isso mostrou claramente a limitação do conceito mineralista (baseado somente nos teores de nutrientes) para determinar a fertilidade do solo como um todo”, disse Ieda Mendes. Já a análise da matéria orgânica do solo (MOS) revelou que a área com braquiária apresentou 1,5 mais MOS. Por sua vez, os resultados da BioAS mostraram atividade quatro vezes maior da beta-glicosidase e oito vezes maior da arilsulfatase nessa mesma área. “Ou seja, os solos eram quimicamente semelhantes, mas biologicamente distintos. Entretanto, com a análise convencional, isso dificilmente seria detectado”, compara.
A pesquisadora destaca que nos anos seguintes ao experimento, o tratamento com a soja em monocultivo (solo “doente”) nunca mais conseguiu obter os mesmos rendimentos dos tratamentos nos quais a soja é cultivada em rotação ou sucessão, sendo que, até a safra 2018/2019, a diferença acumulada era de 119 sc/ha. Segundo Ieda, a melhor tolerância da sucessão soja/braquiária ao veranico foi relacionada à melhor estrutura física do solo nos tratamentos com braquiária e as enzimas funcionam como bioindicadores capazes de detectar essas alterações. Ela explicou que a escalada da melhoria de um solo começa com mudanças na atividade biológica, seguida pelo aumento da MOS, o que resulta, com o passar do tempo, em maior ciclagem de nutrientes, melhor estruturação do solo e maior retenção de água. A cientista esclarece que, no fim, esses fatores resultam em maior produtividade, maior eficiência do sistema produtivo e, consequentemente, maior lucro para o produtor.
“Avaliamos vários trabalhos em diferentes experimentos de sistemas de produção e a correlação entre produtividade e os bioindicadores é sempre alta”, afirma Leandro Zancanaro, diretor de pesquisa da Fundação Mato Grosso. Segundo ele, não há dúvidas de que os bioindicadores serão ferramentas valiosas para melhor entendimento da produção.
A SLC Agrícola também participou da validação da tecnologia. Em 2018, eles expandiram o uso da bioanálise em áreas comerciais para essa finalidade. “O manejo adotado nas nossas fazendas assegurava alta produtividade biológica do solo e uma das consequências é a alta produtividade média das culturas. Na última safra, colhemos mais de 84 sacas por hectare de soja em uma área superior a sete mil hectares. Ferramentas como essa são bastante alinhadas com a preocupação da SLC Agrícola com seus stakeholders”, declara Vargas. “Para nós, a preocupação com a qualidade do solo é fundamental, já que é a base para toda a nossa produção”, completa o coordenador de pesquisa da SLC Agrícola.
Resultado de 20 anos de estudos
Aspecto visual de um solo cuja saúde estava comprometida (imagem da esquerda) e de um solo saudável (à direita) diante de um veranico. O segundo produziu 59 sacas/ha e o solo cuja saúde estava debilitada produziu 29 sacas/ha. Experimento de rotação de culturas na soja, da Fundação MT (Itiquira, MT), durante veranico ocorrido na safra 2014/2015. Fotos: Fundação MT.
Os estudos com bioindicadores no bioma Cerrado tiveram início em 1999 com o projeto “Caracterização da biomassa e atividade microbiana em solos de Cerrado sob vegetação nativa e sob diferentes sistemas de manejo”, que foi o precursor do projeto “Bioindicadores para avaliação da qualidade de solos em diferentes agroecossistemas brasileiros”, que está finalizando sua terceira fase. Essas pesquisas envolveram dezenas de profissionais da Embrapa, da Universidade de Brasília (UnB) e fundações de pesquisa, como a Fundação MT.
A primeira fase do Projeto Bioindicadores foi iniciada em 2004. Naquele momento, o principal objetivo era identificar e monitorar os bioindicadores que mostrassem as alterações que ocorriam no solo em função de diferentes práticas de manejo, indicando os manejos adequados para preservar ou melhorar sua qualidade e garantir a sustentabilidade dos agroecossistemas. Nessa primeira etapa foram testados vários indicadores microbiológicos, visando selecionar os mais adequados.
Durante a Fase II foi desenvolvida a estratégia que permitiu a interpretação dos valores individuais das enzimas para saber quando os níveis no solo estão adequados, moderados e baixos. Na fase atual, as tabelas de interpretação foram ampliadas para os principais solos do bioma Cerrado e foi desenvolvido e validado o conceito de amostragem Fertbio para unificação da época de coleta e dos procedimentos de preparação das amostras de solo para análises de biologia e química do solo. Também foram desenvolvidos os trabalhos com os Índices de Qualidade de Solo (IQS).
A pesquisa conta com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP-DF). O lançamento oficial da tecnologia será realizado de forma virtual no dia 23 de julho e poderá ser acompanhado no canal da Embrapa no Youtube.
Solos saudáveis para uma agricultura tropical vibrante
Foto: Paulo Lanzetta
Atualmente a tecnologia BioAS está formatada para os cultivos anuais de grãos e fibras no Cerrado. Em breve, será expandida para outras regiões e outros cultivos como cana-de-açúcar, café e pastagens.
A expectativa dos pesquisadores é que, com a tecnologia, seja inaugurada uma forma mais abrangente de interpretação da saúde dos solos, indo além das questões de deficiência e excesso de nutrientes. Outro aspecto importante é que a BioAS também poderá ser utilizada como um Indicador Agroambiental (IAA), fazendo parte de um conjunto de métricas para avaliações de sustentabilidade dos sistemas de produção agrícolas.
“Isso certamente contribuirá para maior inserção da nossa agricultura na bioeconomia local e mundial. Trata-se de uma iniciativa única no mundo, que poderá credenciar o Brasil como embaixador mundial da saúde do solo,” afirma Ieda Mendes. “Por todas essas razões é que a BioAS é considerada como a mais nova aliada para a sustentabilidade da agricultura brasileira. Por meio da adoção de sistemas de manejo que favoreçam a saúde do solo, todos saem ganhando: o agricultor, o meio ambiente e a sociedade,” completa.
Juliana Caldas (MTb 4.861/DF)
Embrapa Cerrados
Breno Lobato (MTb 9417-MG)
Embrapa Cerrados
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